- jurigol
- 5 de jun. de 2024
Atualizado: 27 de jun. de 2024
Caio no buraco. De saia, me arregaço no chão. Era um desfile de beleza, eu estava na passarela, que vergonha!
Todos riem, que vergonha!
Que vergonha dos meus excessos, excessos de palavras,
excessos de opiniões fora do que cabe dentro de um mar de obviedades,
excessos de desejos descabidos no imaginário coletivo,
colonizado de cinza, morte e escravidão.
Não desisto,
persevero na condição de caminhante. Difícil essa coisa de caçar um eu que me satisfaça.
Resistir às projeções é exaustivo.
Emano então a carência de não pertencer ao óbvio, ao constante, ao mundo do 0 ou 1.
Resolvo então viver a mãe.
Mãe de mim mesma agora.
Me materno, me valido na condição de não-sei-para-onde-estou-indo-mas-aqui-não-é-meu-lugar.
Penso na mediocridade de um corpo-casa-mulher sem gozo próprio.
Penso na dependência de autoridades imaginárias que me congelam guria pequena, medrosa, indefesa.
Converso comigo mesma,
digo-me que aquilo que busco, transcende liberdades coloniais, essa de fazer-o-que-eu-quero-na-hora-que-eu-quero.
Não essa liberdade!,
Não a liberdade de escolher onde morar, viajar, consumir coisas belas.
Essa eu sei,
é de privilegio branco, é de quem joga o jogo, que aceita criar a sua identidade e a sua forca de ação no vender do tempo em troca de ilusões materiais e ideias esvaziadas de pertencimento.
O que de fato estou a caça é uma coisa sem nome.
Algo que faz rir e chorar, algo que faz contorcer, suar, relaxar, conscientizar.
Tudo ao mesmo tempo.
Essa coisa sem nome que quando me atravessa me deixa dormir e sonhar que estou nadando por entre baleias.
Potência de majestade da própria realidade, entendendo da responsabilidade humana, trabalhando do seu lugar, com aquilo que tem, do seu lugar social, de poder habitar esse corpo-casa, de fazer uso desse corpo-templo de festivais prazerosos e libidinais.
Potência de poder criar rituais, de abrir os olhos da consciência, sentir-se parte da terra, tão parte a ponto de sentir-se terra-casa.
Potência de poder fazer nascer o futuro para querer pertencer e não querer fugir. Diferenciar-se, lutar, resistir.
A inadequação é um personagem desse teatro privado que abre as cortinas e se apresenta pra mim.
O que ela quer dizer, que mensagem ela quer transmitir?
Criei uma resposta, foi bom sentir forte o que ela me causa.
Persisto na resposta inventada.
Ela me cai bem, provoca soltura.
Ela me avisa da revolução, revolução do olhar, revolução do desejo, revolução do imaginário.
Ela pede por insurgência, por fincar no tempo a ideologia do cuidado humano.
Grita por ousadia para tornar a vida o espaço de experimentação constante, simbólica, de vivências diversas, reais, presenciais.
Sugere fazer casinha no desconforto do novo.
Penso então em plasticidade neurológica, penso em virtudes humanas, nobres,
penso na humilde para aprender, para estar em relação ao mundo.
EM relação! Nem acima, nem abaixo.
Porque afinal, diante do céu, do sol, do mar, todos somos pequenos.
Quem corrompeu a ideia das hierarquias do mundo natural tornando motivo de disputas raciais e misóginas sangrentas?
Quem corrompeu a ideia de que porque está na natureza pode-se extrair, apropriar-se?, quem precisou inventar o conceito de natureza e pra quê afinal precisamos dele? Se é perfeitamente clara a compreensão de que precisamos de ar, água, comida e proteção sobre as nossas cabeças…
Por que parece impossível superarmos a ideia do escasso e de que não seremos mais comidos pelo leão?
Parece que estamos é sofrendo com a escassez da humildade, parece que nossos sonhos precisam ser capitalizados para serem legítimos.
E devem ser gravados, fotografados, divulgados, compartilhados, propagados, exibidos, explícitos??… tudo parece tão óbvio.
A inadequação fala para expandir os limites, subverter do cotidiano e ir além, ir reinventando o desejo.
Desejar além do horizonte capitalocêntrico. Deixar ir a ideia de buscar pertencer ao clã dos valores dominantes de alguns homens (sempre poucos, porém muito armados e sanguinários) assassinos que se dizem donos. Donos de pessoas, donos do saber, donos das decisões de quem pode saber.
Donos da violência, de ideias de dominação. Isso é o que eles são!
Propagam o mantra do domínio. Dominar tudo. Da terra às emoções.
Ora, como acreditar que isso é possível, que isso é natural e essa a única história possível para explicar porque chegamos até aqui? Onde corpos-raça-gênero dissidentes do branco macho hegemônico, são restringidos e alienados da sua existência.
Haja paciência, haja estômago para aguentar ouvir repetidas vezes esses mantras cagados de corpos encouraçados, que se fascistizam na busca de se adequar ao fluxo intenso das constantes mudanças e novas revelações que por vezes fazem desmoronar mundos de crenças e ideologias predatórias, cátedras que estão a desmoronar…
Olho para o lado e chamo as amigas para dançar comigo no meio da sala naquela festinha.
Ninguém quer vir, elas ficam com vergonha, tem medo de sei lá o quê.
Eu também.
Elas não vêm. Eu vou, eu fico, eu já estou aqui.
Eu arrisco, eu me desiludo com os olhares ao redor de admiração pela extravagância misturada com deboches e cochichos maldosos.
Vou guardando, guardo para mim o prazer de dançar, guardo tanto que me esqueço do lugar onde guardei.
A inadequação me diz que para eu ficar bem com ela, preciso senti-la.
Ela só quer ser uma memória engraçada de um tempo da espontaneidade inconsequente e desprotegida. Ela quer fazer parte da história, quer ser capítulo da biografia.
Ela é o que não cabe. Ela é ventania, água de mar revolto.
Ela é a dissidência em mim,
ela é o meu outro.
Preciso amá-la para tornar-me gente, tornar-me humana.
Vou aprendendo…